A existência destas células imunitárias no ser humano tem sido debatida incansavelmente — até agora.
Estas misteriosas células, conhecidas como células B-1, foram descobertas pela primeira vez em ratos na década de 1980, de acordo com uma estudo de 2018, publicado no The Journal of Immunology.
Estas células surgem no início do desenvolvimento do rato, no útero, e produzem vários anticorpos quando são ativadas.
Alguns destes anticorpos fixam-se nas próprias células do rato e ajudam a limpar as células mortas e moribundas do corpo, segundo a Live Science.
As células B-1 ativadas também produzem anticorpos que atuam como uma primeira linha de defesa contra agentes patogénicos, como vírus e bactérias.
Após a descoberta de células B-1 em ratos, um grupo de investigação relatou em 2011 que tinham encontrado células equivalentes em humanos, mas estes resultados não foram aceites como prova conclusiva.
“Naquela altura, nem todos concordavam com o nosso perfil de células B-1 humanas”, sublinhou Thomas Rothstein, docente e autor do estudo de 2018.
Agora, um novo estudo publicado a 12 de maio na revista Science, prova que as células B-1 emergem no desenvolvimento humano precoce, no primeiro e segundo trimestres.
“Confirma e amplia o trabalho que publicámos anteriormente”, realça Rothstein, que não esteva envolvido na nova investigação.
Nicole Baumgarth, professora no Centro de Imunologia e Doenças Infecciosas da UC Davis, acredita “que estes são os dados mais conclusivos até agora”, apoiando a ideia de que os humanos transportam células B-1.
Em teoria, estas células podem desempenhar papéis críticos no desenvolvimento inicial e, ao estudá-las mais detalhadamente, os investigadores podem melhorar a sua compreensão sobre o desenvolvimento saudável do sistema imunitário nos humanos, acrescenta Baumgarth.
A nova investigação foi publicada juntamente com o resultado de três outros estudos recentemente realizados pelo consórcio Human Cell Atlas (HCA), um grupo de investigação internacional que trabalha para determinar a posição, função e características de cada tipo de célula no corpo humano.
Juntos, os quatro estudos — todos publicados a 12 de maio na Science — incluem análises de mais de 1 milhão de células humanas, representando mais de 500 tipos celulares distintos retirados de mais de 30 tecidos diferentes.
“Pode-se pensar nisso como um Google Maps do corpo humano, e é realmente esse mapeamento das células individuais e onde elas se sentam nos tecidos que pretendemos”, explicou Sarah Teichmann, também autora do estudo.
Ao ajudar a construir este atlas do corpo humano, os investigadores concentraram os seus esforços nas células imunitárias e, em particular, nas células imunitárias que emergem durante o desenvolvimento humano inicial.
Foi através deste foco que descobriram provas de células B-1 humanas. “O que mostramos é que elas existem de facto nos seres humanos”, realçou Teichmann.
As análises apresentavam células de nove tecidos em desenvolvimento, tais como o timo, uma glândula que cria células imunitárias e hormonas, e o saco vitelino embrionário, uma pequena estrutura que nutre o embrião no início da gravidez.
Todas as amostras de tecido analisadas pela equipa vieram do Human Developmental Biology Resource, um banco de tecidos no Reino Unido que armazena tecidos embrionários e fetais humanos, com autorização escrita dos doadores. Também foram incorporados dados disponíveis de estudos anteriores.
No total, os dados abrangeram um período inicial de desenvolvimento que variou entre quatro a 17 semanas pós-fertilização, dentro do primeiro e segundo trimestres.
Os investigadores tiraram fotografias de alta resolução destes tecidos, numa escala de 0,001 polegadas, mais fina do que um cabelo humano, referiu Teichmann.
Ao nível de cada célula em separado, a equipa analisou todas as “transcrições de RNA” no tecido, que refletem as diferentes proteínas que cada célula produz.
Através destas transcrições, os investigadores conseguiram recolher informação sobre a identidade e função de cada célula.
Esta análise detalhada permitiu à equipa detetar células que correspondiam à descrição de células B-1 encontradas em ratos, tanto em termos dos seus atributos, como do momento do seu aparecimento.
“No sistema do rato, as células B-1 surgem cedo — surgem primeiro”, afirmou Rothstein. Um tipo diferente de célula imune, chamada B-2, emerge depois das primeiras células B-1 e torna-se a forma mais abundante de célula B no rato.
O novo estudo sugere que algo semelhante acontece nos humanos, onde as células B-1 surgem e são mais abundantes no desenvolvimento precoce, acrescenta.
Estas células podem ajudar a esculpir novos tecidos à medida que se formam num ser humano em desenvolvimento, sustenta Teichmann.
“Quando se pensa no desenvolvimento fetal, em geral, há uma remodelação grande de tecidos que acontece constantemente”, indica Baumgarth.
Por exemplo, os humanos desenvolvem inicialmente teias entre os dedos, mas estas teias são aparadas de volta antes do nascimento.
Pode ser que as células B-1 ajudem com esse corte de tecido durante o desenvolvimento, mas “isso é especulação, da minha parte“, defende.
Para além de esculpir tecidos, as células B-1 podem fornecer algum nível de proteção imunitária contra agentes patogénicos suficientemente pequenos para atravessar a barreira placentária, acrescenta Baumgarth. Mais uma vez, é apenas especulação.
O novo estudo melhora a compreensão de como as células B-1 se desenvolvem inicialmente e pode dar início a futuros estudos sobre o modo como as células funcionam mais tarde na vida, conclui Rothstein.
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