É a descoberta científica que vai marcar o ano e a História da humanidade. Pela primeira vez, uma equipa internacional de cientistas conseguiu editar o ADN de embriões humanos e eliminar uma doença hereditária. De acordo com o estudo publicado esta quarta-feira, a equipa de cientistas reparou uma mutação muito comum e grave que provoca doenças hereditárias e limita seriamente a qualidade de vida das pessoas afetadas.
Este é um importante passo na História da biologia, que abre portas à possibilidade de eliminar doenças tão graves como o cancro ou até 10 mil outras doenças listadas pela equipa -- composta por membros norte-americanos, sul-coreanos e chineses. Entre elas, estão doenças tão graves como a fibrose cística e o Alzheimer.
Óvulos recentemente fertilizados antes da edição do genoma.
De acordo com a publicação da revista Nature, a doença que os cientistas conseguiram eliminar é miocardiopatia hipertrófica, uma doença frequente e grave que provoca morte súbita, principalmente em desportistas e jovens e que afeta uma em cada 500 pessoas. Essa doença é provocada por um erro na informação transportado no gene MYBPC3. Para corrigir esse gene, os cientistas utilizaram o CRISPR, uma importante ferramenta que edita o genoma humano: é um sistema de defesa observado nas bactérias ainda nos anos 80 e que, quando introduzido no corpo humano, atinge regiões específicas do ADN no núcleo das células, mudando permanentemente a informação de um determinado gene.
O que os cientistas fizeram foi injetar em óvulos doados por mulheres saudáveis os espermatozoides de um homem doente e, ao mesmo tempo, o CRISPR. Essa ferramenta de edição levava guias de ARN, um ácido semelhante ao ADN responsável pela síntese de proteínas da célula, que tinham como função encontrar o local exato onde os genes precisam de ser corrigidos. Levava também enzimas, que funcionavam como tesouras que iam cortar do ADN a parte defeituosa. Quando essa parte foi cortada, a informação correta guardada no CRISPR foi colada no ADN e o material genético ficou completamente são.
Dos 58 embriões que resultaram dessa fertilização in vitro pioneira, 42 ficaram completamente livres da mutação do gene que provocava a miocardiopatia hipertrófica: o sucesso da técnica foi de 72%. Todos eles eram completamente viáveis: não transportavam qualquer doença genética e também não a poderiam transferir para os seus descendentes. Treze dos embriões mostraram não ter a mutação, mas não em todas as células. No entanto, por motivos éticos, todos os embriões foram destruídos poucos dias depois.
Este resultado é histórico. Em 2015, uma equipa de cientistas chineses conseguiu igualmente editar o material genético de um embrião humano e eliminar a mutação que codificava a beta talassemia (um tipo de anemia) em alguns deles. No entanto, os investigadores nunca tinham conseguido livrar todas as células de um organismo dessa mutação genética: no caso da experiência chinesa, apenas uma parte das células do embrião foi corrigida, enquanto as outras continuavam a transportar os genes da anemia, num fenómeno a que a ciência chama de "mosaicismo", que é a condição de uma pessoa que tem dois materiais genéticos distintos.
Além disso, a experiência também não foi considerada totalmente bem sucedida porque não evitou outras mutações no genoma. Desta vez, com o esforço dos cientistas de três países, a técnica conseguiu livrar o genoma de qualquer tipo de mutação: os embriões eram completamente saudáveis.
Embriões depois da edição genética e depois de algumas divisões celulares.
O que foi feito de diferente? Pela primeira vez, o CRISPR foi injetado ao mesmo tempo que eram introduzidos os espermatozoides no óvulos. Em experiências anteriores, primeiro era feita a fertilização in vitro e só depois é que era introduzida a ferramenta de edição. Isso aumentou a probabilidade de sucesso da experiência para "quase perfeita", nas palavras do cientista que foi responsável por confirmar se o genoma dos embriões não apresentava, de facto, nenhuma falha.
Ainda assim, antes de poder ser usada no sistema de saúde, esta técnica precisa de ser aperfeiçoada para aumentar a taxa de sucesso até pelo menos 90%. No entanto, as notícias são esperançosas: até agora, tudo o que podia ser feito para perceber se um embrião tinha a mutação de uma doença hereditária era fazer um teste antes da implantação no útero da futura mãe. Os resultados desse teste tinha 50% de hipótese de estarem corretos. O CRISPR aumenta essa hipótese, o que pode ajudar os médicos a eliminar embriões que sabem estar doentes à partida.
Tudo isto foi feito nos laboratórios da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos Estados Unidos. Por detrás da experiência, um dos nomes mais sonantes da Ciência: Shoukhrat Mitalipov, o biólogo que coordena o Centro para as Células Embrionárias e Terapia de Genes e que descobriu uma terapia pouco consensual que permite prevenir doenças mitocondriais, causadas pela parte da informação genética que está armazenada nas mitocôndrias, as "pilhas" das células que lhes permitem gerar energia para todo o organismo. A terapia de Mitalipov, que nunca foi aprovada, envolvia transferir o núcleo da mãe para o óvulo de outra mulher cujo genoma mitocondrial está saudável. Mas o nome de Shoukhrat Mitalipov também assina outra grande descoberta científica: uma forma de criar células estaminais através de células da pele.
A universidade em Oregon também será o palco do próximo passo desta investigação: experimentar a mesma técnica no gene BRCA1, cuja mutação provoca o cancro da mama, e no gene BRCA2, cuja mutação codifica o cancro nos ovários. No entanto, esse será um passo mais difícil de dar, explicou ao El País um dos cientistas envolvidos na descoberta: isso envolveria transplantar os embriões e depois segui-los durante muitos anos. Além disso, obrigaria a "acordos parlamentares para mudar as leis dos Estados Unidos e em muitos outros países" por causa das questões éticas que se levantam.
Outro passo importante seria fazer essa edição diretamente nos gâmetas tanto masculinos como femininos: editando a informação genética dos óvulos e dos espermatozoides, ter-se-ia a certeza de que eles não transportariam genes danificados que pudessem passar doenças hereditárias aos novos embriões.
Nem toda a gente aplaude esta técnica. Em primeiro lugar, porque não temos noção de eventuais efeitos secundários adversos que ela possa ter: é demasiado recente para a percebermos totalmente e ainda há muitas dúvidas por responder. Foi por isso que os embriões foram eliminados sem nunca chegarem a ser implantados no corpo de uma mulher: não se sabe que ser humano poderia evoluir daquelas células. Em segundo lugar, porque a técnica pode vir a ser utilizada para editar partes do genoma que em nada influenciam a saúde do futuro bebé: enquanto ela é pioneira para a possibilidade de eliminar doenças graves, também pode ser usada, por exemplo, para alterar características como a cor dos olhos ou, em última análise, a inteligência.
Este é um importante passo na História da biologia, que abre portas à possibilidade de eliminar doenças tão graves como o cancro ou até 10 mil outras doenças listadas pela equipa -- composta por membros norte-americanos, sul-coreanos e chineses. Entre elas, estão doenças tão graves como a fibrose cística e o Alzheimer.
Óvulos recentemente fertilizados antes da edição do genoma.
De acordo com a publicação da revista Nature, a doença que os cientistas conseguiram eliminar é miocardiopatia hipertrófica, uma doença frequente e grave que provoca morte súbita, principalmente em desportistas e jovens e que afeta uma em cada 500 pessoas. Essa doença é provocada por um erro na informação transportado no gene MYBPC3. Para corrigir esse gene, os cientistas utilizaram o CRISPR, uma importante ferramenta que edita o genoma humano: é um sistema de defesa observado nas bactérias ainda nos anos 80 e que, quando introduzido no corpo humano, atinge regiões específicas do ADN no núcleo das células, mudando permanentemente a informação de um determinado gene.
O que os cientistas fizeram foi injetar em óvulos doados por mulheres saudáveis os espermatozoides de um homem doente e, ao mesmo tempo, o CRISPR. Essa ferramenta de edição levava guias de ARN, um ácido semelhante ao ADN responsável pela síntese de proteínas da célula, que tinham como função encontrar o local exato onde os genes precisam de ser corrigidos. Levava também enzimas, que funcionavam como tesouras que iam cortar do ADN a parte defeituosa. Quando essa parte foi cortada, a informação correta guardada no CRISPR foi colada no ADN e o material genético ficou completamente são.
Dos 58 embriões que resultaram dessa fertilização in vitro pioneira, 42 ficaram completamente livres da mutação do gene que provocava a miocardiopatia hipertrófica: o sucesso da técnica foi de 72%. Todos eles eram completamente viáveis: não transportavam qualquer doença genética e também não a poderiam transferir para os seus descendentes. Treze dos embriões mostraram não ter a mutação, mas não em todas as células. No entanto, por motivos éticos, todos os embriões foram destruídos poucos dias depois.
Este resultado é histórico. Em 2015, uma equipa de cientistas chineses conseguiu igualmente editar o material genético de um embrião humano e eliminar a mutação que codificava a beta talassemia (um tipo de anemia) em alguns deles. No entanto, os investigadores nunca tinham conseguido livrar todas as células de um organismo dessa mutação genética: no caso da experiência chinesa, apenas uma parte das células do embrião foi corrigida, enquanto as outras continuavam a transportar os genes da anemia, num fenómeno a que a ciência chama de "mosaicismo", que é a condição de uma pessoa que tem dois materiais genéticos distintos.
Além disso, a experiência também não foi considerada totalmente bem sucedida porque não evitou outras mutações no genoma. Desta vez, com o esforço dos cientistas de três países, a técnica conseguiu livrar o genoma de qualquer tipo de mutação: os embriões eram completamente saudáveis.
Embriões depois da edição genética e depois de algumas divisões celulares.
O que foi feito de diferente? Pela primeira vez, o CRISPR foi injetado ao mesmo tempo que eram introduzidos os espermatozoides no óvulos. Em experiências anteriores, primeiro era feita a fertilização in vitro e só depois é que era introduzida a ferramenta de edição. Isso aumentou a probabilidade de sucesso da experiência para "quase perfeita", nas palavras do cientista que foi responsável por confirmar se o genoma dos embriões não apresentava, de facto, nenhuma falha.
Ainda assim, antes de poder ser usada no sistema de saúde, esta técnica precisa de ser aperfeiçoada para aumentar a taxa de sucesso até pelo menos 90%. No entanto, as notícias são esperançosas: até agora, tudo o que podia ser feito para perceber se um embrião tinha a mutação de uma doença hereditária era fazer um teste antes da implantação no útero da futura mãe. Os resultados desse teste tinha 50% de hipótese de estarem corretos. O CRISPR aumenta essa hipótese, o que pode ajudar os médicos a eliminar embriões que sabem estar doentes à partida.
Tudo isto foi feito nos laboratórios da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos Estados Unidos. Por detrás da experiência, um dos nomes mais sonantes da Ciência: Shoukhrat Mitalipov, o biólogo que coordena o Centro para as Células Embrionárias e Terapia de Genes e que descobriu uma terapia pouco consensual que permite prevenir doenças mitocondriais, causadas pela parte da informação genética que está armazenada nas mitocôndrias, as "pilhas" das células que lhes permitem gerar energia para todo o organismo. A terapia de Mitalipov, que nunca foi aprovada, envolvia transferir o núcleo da mãe para o óvulo de outra mulher cujo genoma mitocondrial está saudável. Mas o nome de Shoukhrat Mitalipov também assina outra grande descoberta científica: uma forma de criar células estaminais através de células da pele.
A universidade em Oregon também será o palco do próximo passo desta investigação: experimentar a mesma técnica no gene BRCA1, cuja mutação provoca o cancro da mama, e no gene BRCA2, cuja mutação codifica o cancro nos ovários. No entanto, esse será um passo mais difícil de dar, explicou ao El País um dos cientistas envolvidos na descoberta: isso envolveria transplantar os embriões e depois segui-los durante muitos anos. Além disso, obrigaria a "acordos parlamentares para mudar as leis dos Estados Unidos e em muitos outros países" por causa das questões éticas que se levantam.
Outro passo importante seria fazer essa edição diretamente nos gâmetas tanto masculinos como femininos: editando a informação genética dos óvulos e dos espermatozoides, ter-se-ia a certeza de que eles não transportariam genes danificados que pudessem passar doenças hereditárias aos novos embriões.
Nem toda a gente aplaude esta técnica. Em primeiro lugar, porque não temos noção de eventuais efeitos secundários adversos que ela possa ter: é demasiado recente para a percebermos totalmente e ainda há muitas dúvidas por responder. Foi por isso que os embriões foram eliminados sem nunca chegarem a ser implantados no corpo de uma mulher: não se sabe que ser humano poderia evoluir daquelas células. Em segundo lugar, porque a técnica pode vir a ser utilizada para editar partes do genoma que em nada influenciam a saúde do futuro bebé: enquanto ela é pioneira para a possibilidade de eliminar doenças graves, também pode ser usada, por exemplo, para alterar características como a cor dos olhos ou, em última análise, a inteligência.
Fonte: http://noticias.myweb.vodafone.pt/ultimahora?pageId=9357&externalId=4823&externalUrl=aHR0cDovL2Ntcy1mZS52b2RhZm9uZS5wdC9jbXMtZmUvY29udmVydC9Ob3RpY2lhcy9Ob3RpY2lhX1VsdGltYV9Ib3JhX01haXNfTGlzdGEueG1sLDg4ODgyLDEsNSwyMjA2OTc4
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