Vinte anos depois, é possível estar a dormir enquanto se é operado à Parkinson. Paulo, o primeiro a experimentar, espera sair de lá “um homem novo”.
De acordo com o Expresso, Paulo era professor bibliotecário e escrevia muito no computador. Aos 47 anos, começou a sentir um tremor na mão direita que começou a tornar-se cada vez mais intenso.
Foi-lhe diagnosticada uma doença a associada ao fim da qualidade de vida, Parkinson. Grande parte dela passou a ser inevitavelmente passada a “aprender a viver” com a enfermidade, lamenta, 13 anos depois, no corredor do hospital que está prestes a torná-lo “um novo homem”. Assim o espera, pelo menos.
“Queria ser mais eloquente”, afirmou, em entrevista ao Expresso. Mas o momento não permite distrair-se numa busca por palavras certas.
Estava a minutos de ser anestesiado, adormecido, de confiar nas mãos dos médicos que iriam mexer-lhe no cérebro para que tenha um melhor futuro na meia vida que lhe resta viver.
Admitiu sentir “uma ansiedade medonha, terrível“, nos momentos antes de entrar para a sala de cirurgia.
De touca e pijama azul hospitalar, tentava distrair-se do denunciante trémulo braço direito, e trancá-lo entre a perna e a cadeira de rodas.
Nos últimos anos estudou o assunto. Estava preparado para “a outra solução” cirúrgica, a única existente desde há 20 anos em Portugal. Preparava-se para estar acordado várias horas durante a cirurgia, sob anestesia local, no bloco operatório.
Mas há cerca de um mês, aos 60 anos, Paulo Reis recebeu uma chamada de uma médica do Hospital de São João, no Porto.
Ia ser pioneiro na estreia em Portugal de uma nova intervenção à doença de Parkinson, que já não implicava estar mais de quatro horas acordado enquanto lhe estavam a mexer no cérebro.
Em vez disso, seria operado sob anestesia geral. E ele, que antes estava “cheio de dúvidas”, admite agora que este método lhe devolveu alguma tranquilidade.
“Deveria ser bastante angustiante estar a ser operado consciente de que me estavam a perfurar o crânio, a introduzirem os elétrodos e a abrirem um roço pela cabeça abaixo para me porem um pacemaker”, diz, com exagero intencional.
Só metade dos doentes são operados
Enquanto Paulo Reis se encontrava inconsciente com a anestesia geral, os neurocirurgiões Rui Vaz, diretor do Serviço de Neurocirurgia, e Rick Schuurman, recém-chegado a Portugal para ajudar a pôr em prática o novo método de estimulação cerebral profunda, começaram mais um dia de trabalho no bloco operatório.
Depois de uma longa investigação, que compara esta metodologia com anestesia geral à praticada anteriormente, o médico holandês pioneiro no procedimento viu publicado, em outubro de 2021, o estudo “Galaxy”, cuja conclusão é de que o novo procedimento tem exatamente a mesma taxa de sucesso do anterior.
A par disso, não lhe faltam vantagens. “É pesado enfrentar uma cirurgia em que [os doentes] estão acordados. Não é propriamente doloroso, mas é muito cansativo e incute-lhes muito medo“, descreve ao Expresso Rick Schuurman.
Para os médicos, entre as numerosas vantagens está a maior facilidade que se tem ao trabalhar com um paciente a dormir.
“Conseguimos estar mais focados nas tarefas cirúrgicas, enquanto, com o doente acordado, dividimos a nossa atenção entre essas tarefas e o estado do paciente”, explicou o neurocirurgião.
O novo método consegue ser mais rápido, permitindo à mesma equipa mais cirurgias num menor espaço de tempo, da mesma forma que impõe uma mais curta recuperação após a cirurgia.
Mas Schuurman, que já opera há seis anos doentes sob anestesia geral, admite só ter sido possível para a estimulação cerebral profunda chegar até aqui através dos avanços tecnológicos capazes de captar “fotografias do cérebro” muito mais nítidas do que no passado, permitindo ao clínico “apontar com exatidão onde é que os elétrodos têm de estar”.
No passado, a técnica passava por começar num ponto aproximado e ir confirmando a sua posição com testes clínicos, como pedir ao doente para mexer a mão e observar a fluidez dos seus movimentos.
Rui Vaz está orgulhoso. Três meses depois da publicação do estudo do colega holandês, o diretor do Serviço de Neurocirurgia do Hospital de São João conseguiu trazer o professor Schuurman a Portugal para ajudar a aplicar esta técnica no mesmo hospital onde, há 20 anos, realizou a primeira cirurgia à Parkinson do país.
Ao completar as palavras do colega com o contexto português, diz que um outro aspeto essencial para a importância desta nova prática clínica é Portugal não estar a operar todos os doentes que deveriam.
“Operamos menos e há várias razões para isso, mas uma delas, muito comprovada, é que os pacientes têm medo da operação“, lembra o neurocirurgião português.
Este é um dos aspetos que reforça a mudança. “É um tópico que para nós, enquanto equipa, enquanto hospital e enquanto país, tem de nos interessar”, reforça Rui Vaz.
Portugal opera cerca de 70 pacientes por ano. Rui Vaz diz que podíamos operar “provavelmente o dobro”, e isso quer dizer que estamos “a perder 70 a 80 doentes por ano, que, como Paulo, poderiam melhorar a sua qualidade de vida” com a estimulação cerebral profunda.
Com a nova técnica, que até permitirá no futuro operar mais pessoas no mesmo período de tempo, Rui Vaz espera captar os menos confiantes.
Mas para tratar mais doentes é necessário mais dinheiro. “Bom, essa é outra questão interessante, porque, se é certo que a cirurgia é cara, também há muitos estudos a provar que ela acaba por ser menos dispendiosa que os medicamentos e as consultas para acompanhar quem não é operado”, responde o clínico, confiante em continuar o caminho que inaugurou em Portugal há 20 anos.
https://zap.aeiou.pt/hospital-de-sao-joao-inaugura-cirurgia-pioneira-a-parkinson-461348
De acordo com o Expresso, Paulo era professor bibliotecário e escrevia muito no computador. Aos 47 anos, começou a sentir um tremor na mão direita que começou a tornar-se cada vez mais intenso.
Foi-lhe diagnosticada uma doença a associada ao fim da qualidade de vida, Parkinson. Grande parte dela passou a ser inevitavelmente passada a “aprender a viver” com a enfermidade, lamenta, 13 anos depois, no corredor do hospital que está prestes a torná-lo “um novo homem”. Assim o espera, pelo menos.
“Queria ser mais eloquente”, afirmou, em entrevista ao Expresso. Mas o momento não permite distrair-se numa busca por palavras certas.
Estava a minutos de ser anestesiado, adormecido, de confiar nas mãos dos médicos que iriam mexer-lhe no cérebro para que tenha um melhor futuro na meia vida que lhe resta viver.
Admitiu sentir “uma ansiedade medonha, terrível“, nos momentos antes de entrar para a sala de cirurgia.
De touca e pijama azul hospitalar, tentava distrair-se do denunciante trémulo braço direito, e trancá-lo entre a perna e a cadeira de rodas.
Nos últimos anos estudou o assunto. Estava preparado para “a outra solução” cirúrgica, a única existente desde há 20 anos em Portugal. Preparava-se para estar acordado várias horas durante a cirurgia, sob anestesia local, no bloco operatório.
Mas há cerca de um mês, aos 60 anos, Paulo Reis recebeu uma chamada de uma médica do Hospital de São João, no Porto.
Ia ser pioneiro na estreia em Portugal de uma nova intervenção à doença de Parkinson, que já não implicava estar mais de quatro horas acordado enquanto lhe estavam a mexer no cérebro.
Em vez disso, seria operado sob anestesia geral. E ele, que antes estava “cheio de dúvidas”, admite agora que este método lhe devolveu alguma tranquilidade.
“Deveria ser bastante angustiante estar a ser operado consciente de que me estavam a perfurar o crânio, a introduzirem os elétrodos e a abrirem um roço pela cabeça abaixo para me porem um pacemaker”, diz, com exagero intencional.
Só metade dos doentes são operados
Enquanto Paulo Reis se encontrava inconsciente com a anestesia geral, os neurocirurgiões Rui Vaz, diretor do Serviço de Neurocirurgia, e Rick Schuurman, recém-chegado a Portugal para ajudar a pôr em prática o novo método de estimulação cerebral profunda, começaram mais um dia de trabalho no bloco operatório.
Depois de uma longa investigação, que compara esta metodologia com anestesia geral à praticada anteriormente, o médico holandês pioneiro no procedimento viu publicado, em outubro de 2021, o estudo “Galaxy”, cuja conclusão é de que o novo procedimento tem exatamente a mesma taxa de sucesso do anterior.
A par disso, não lhe faltam vantagens. “É pesado enfrentar uma cirurgia em que [os doentes] estão acordados. Não é propriamente doloroso, mas é muito cansativo e incute-lhes muito medo“, descreve ao Expresso Rick Schuurman.
Para os médicos, entre as numerosas vantagens está a maior facilidade que se tem ao trabalhar com um paciente a dormir.
“Conseguimos estar mais focados nas tarefas cirúrgicas, enquanto, com o doente acordado, dividimos a nossa atenção entre essas tarefas e o estado do paciente”, explicou o neurocirurgião.
O novo método consegue ser mais rápido, permitindo à mesma equipa mais cirurgias num menor espaço de tempo, da mesma forma que impõe uma mais curta recuperação após a cirurgia.
Mas Schuurman, que já opera há seis anos doentes sob anestesia geral, admite só ter sido possível para a estimulação cerebral profunda chegar até aqui através dos avanços tecnológicos capazes de captar “fotografias do cérebro” muito mais nítidas do que no passado, permitindo ao clínico “apontar com exatidão onde é que os elétrodos têm de estar”.
No passado, a técnica passava por começar num ponto aproximado e ir confirmando a sua posição com testes clínicos, como pedir ao doente para mexer a mão e observar a fluidez dos seus movimentos.
Rui Vaz está orgulhoso. Três meses depois da publicação do estudo do colega holandês, o diretor do Serviço de Neurocirurgia do Hospital de São João conseguiu trazer o professor Schuurman a Portugal para ajudar a aplicar esta técnica no mesmo hospital onde, há 20 anos, realizou a primeira cirurgia à Parkinson do país.
Ao completar as palavras do colega com o contexto português, diz que um outro aspeto essencial para a importância desta nova prática clínica é Portugal não estar a operar todos os doentes que deveriam.
“Operamos menos e há várias razões para isso, mas uma delas, muito comprovada, é que os pacientes têm medo da operação“, lembra o neurocirurgião português.
Este é um dos aspetos que reforça a mudança. “É um tópico que para nós, enquanto equipa, enquanto hospital e enquanto país, tem de nos interessar”, reforça Rui Vaz.
Portugal opera cerca de 70 pacientes por ano. Rui Vaz diz que podíamos operar “provavelmente o dobro”, e isso quer dizer que estamos “a perder 70 a 80 doentes por ano, que, como Paulo, poderiam melhorar a sua qualidade de vida” com a estimulação cerebral profunda.
Com a nova técnica, que até permitirá no futuro operar mais pessoas no mesmo período de tempo, Rui Vaz espera captar os menos confiantes.
Mas para tratar mais doentes é necessário mais dinheiro. “Bom, essa é outra questão interessante, porque, se é certo que a cirurgia é cara, também há muitos estudos a provar que ela acaba por ser menos dispendiosa que os medicamentos e as consultas para acompanhar quem não é operado”, responde o clínico, confiante em continuar o caminho que inaugurou em Portugal há 20 anos.
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