sábado, 5 de março de 2022

Buracos negros colossais “dançam” no coração de uma galáxia !

Nesta ilustração, a luz de um buraco negro mais pequeno (à esquerda) é curvada em torno de um buraco negro maior e forma uma imagem quase espelhada do outro lado.

Nesta ilustração, a luz de um buraco negro mais pequeno (à esquerda) é curvada em torno de um buraco negro maior e forma uma imagem quase espelhada do outro lado.

Trancados numa épica valsa cósmica a 9 mil milhões de anos-luz de distância, dois buracos negros supermassivos parecem orbitar um em torno do outro a cada dois anos.

Os dois corpos gigantes têm cada um massas que são centenas de milhões de vezes maiores que a do nosso Sol e os objetos estão separados por uma distância mais ou menos 50 vezes superior à que separa o nosso Sol e Plutão. Quando o par se fundir daqui a cerca de 10.000 anos, espera-se que a colisão titânica abane o próprio espaço e tempo, enviando ondas gravitacionais através do Universo.

Uma equipa de astrónomos liderada pelo Caltech descobriu evidências de que este cenário tem lugar dentro de um objeto ferozmente energético conhecido como um quasar.

O quasar observado no novo estudo, PKS 2131-021, pertence a uma subclasse de quasares chamada blazares, no qual o jato aponta para a Terra. Os astrónomos já sabiam que os quasares poderiam possuir dois buracos negros em órbita, mas encontrar evidências diretas para tal tem-se revelado difícil.

No artigo da The Astrophysical Journal Letters, os cientistas argumentam que PKS 2131-021 é agora o segundo candidato conhecido de um par de buracos negros supermassivos apanhados no ato de fusão.


As provas reveladoras vieram das observações rádio de PKS 2131-021 que se estendem por 45 anos. De acordo com o estudo, um jato potente que emana de um dos dois buracos negros dentro de PKS 2131-021 está a deslocar-se para trás e para a frente devido ao movimento orbital do par. Isto causa alterações periódicas no brilho rádio do quasar.

Estas oscilações foram registadas por cinco observatórios diferentes, incluindo o OVRO (Owens Valley Radio Observatory) do Caltech, o UMRAO (University of Michigan Radio Astronomy Observatory) o Observatório Haystack do MIT, o NRAO (National Radio Astronomy Observatory), o Radiobservatório Metsähovi na Finlândia e o telescópio espacial WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer) da NASA.

A combinação dos dados de rádio produz uma curva sinusoidal quase perfeita, ao contrário de qualquer coisa observada anteriormente a partir de quasares.

“Quando nos apercebemos que os ‘altos e baixos’ da curva de luz detetada em tempos recentes correspondia aos ‘altos e baixos’ observados entre 1975 e 1983, sabíamos que algo muito especial estava a acontecer”, diz Sandra O’Neill, autora principal do estudo e aluna do Caltech, orientada por Tony Readhead, professor de astronomia.
Ondulações no Espaço e no Tempo

A maioria, se não todas, as galáxias possuem buracos negros monstruosos nos seus núcleos, incluindo a nossa própria Galáxia Via Láctea. Quando as galáxias se fundem, os seus buracos negros “afundam-se” para o meio da galáxia recém-formada e acabam por se juntar para formar um buraco negro ainda mais massivo.

À medida que os buracos negros espiralam um em direção ao outro, perturbam cada vez mais o tecido do espaço e do tempo, enviando ondas gravitacionais , que foram previstas pela primeira vez por Albert Einstein há mais de 100 anos.

O LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) da NSF (National Science Foundation), que é gerido conjuntamente pelo Caltech e pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), deteta ondas gravitacionais de pares de buracos negros com até dúzias de vezes a massa do nosso Sol.

No entanto, os buracos negros supermassivos nos centros das galáxias têm milhões ou milhares de milhões de vezes mais massa do que o nosso Sol, e emitem frequências de ondas gravitacionais mais baixas do que as detetadas pelo LIGO.

No futuro, os PTAs (pulsar timing arrays) – que consistem de um conjunto de estrelas mortas pulsantes monitorizadas com precisão por radiotelescópios – deverão ser capazes de detetar as ondas gravitacionais de buracos negros supermassivos (a missão LISA, ou Laser Interferometer Space Antenna, deverá detetar a fusão de buracos negros cujas massas são 1000 a 10 milhões de vezes a massa do nosso Sol).

Até agora, não foram registadas ondas gravitacionais de nenhuma destas fontes mais massivas, mas PKS 2131-021 fornece o alvo mais promissor até agora.

Entretanto, as ondas de luz são a melhor opção para detetar buracos negros supermassivos coalescentes.

O primeiro destes candidatos, OJ 287, também exibe variações periódicas no rádio. Estas flutuações são mais irregulares e não sinusoidais, mas sugerem que os buracos negros se orbitam um ao outro a cada nove anos. Os buracos negros dentro do novo quasar, PKS 2131-021, orbitam-se um ao outro de dois em dois anos e estão separados por 2000 unidades astronómicas, cerca de 50 vezes a distância entre o Sol e Plutão, ou 10 a 100 vezes mais perto do que o par OJ 287 (uma unidade astronómica é a distância entre a Terra e o Sol).
Revelando a Curva de Luz com 45 Anos

Readhead diz que as descobertas se desdobraram como um “bom romance policial“, com início em 2008 quando ele e colegas começaram a usar o telescópio de 40 metros no OVRO para estudar como os buracos negros convertem material de que se “alimentam” em jatos relativistas, ou jatos que viajam a velocidades até 99,98% da velocidade da luz.

Tinham estado a monitorizar o brilho de mais de 1000 blazares para este fim quando, em 2020, notaram um caso único.

“PKS 2131 variava não só periodicamente, mas sinusoidalmente“, explica. “Isso significa que existe um padrão que podemos seguir continuamente ao longo do tempo.” A questão, diz ele, tornou-se então: há quanto tempo é que este padrão de ondas sinusoidais está a ocorrer?

A equipa de investigação analisou então os dados rádio arquivados para procurar picos passados nas curvas de luz que correspondiam a previsões baseadas nas mais recentes observações OVRO. Primeiro, os dados do VLBA (Very Long Baseline Array) do NRAO e do UMRAO revelaram um pico de 2005 que coincidia com as previsões. Os dados UMRAO revelaram ainda que não houve qualquer sinal sinusoidal durante 20 anos antes desse período – até 1981, quando foi observado outro pico.

“A história teria parado aí, pois não nos apercebemos de que havia dados sobre este objeto anteriores a 1980”, diz Readhead. “Mas então Sandra pegou neste projeto em junho de 2021. Se não fosse ela, esta bela descoberta estaria na prateleira.”

O’Neill começou a trabalhar com Readhead e com o segundo autor do estudo, Sebastian Kiehlmann, pós-doutorado na Universidade de Creta e ex-cientista do Caltech como parte do programa SURF (Summer Undergraduate Research Fellowship) da instituição de ensino norte-americana.

Com o projeto de volta à mesa, Readhead procurou na literatura e descobriu que o Observatório Haystack tinha feito observações rádio de PKS 2131-021 entre 1975 e 1983. Estes dados revelaram outro pico correspondente às suas previsões, desta vez ocorrendo em 1976.

“Este trabalho mostra o valor de fazer uma monitorização precisa destas fontes ao longo de muitos anos a fim de realizar ciência,” diz o coautor Roger Blandford, académico especialista em Astrofísica Teórica no Caltech que está atualmente em sabática da Universidade Stanford.
Como um Relógio

Readhead compara o sistema do jato movendo-se para trás e para a frente com o tiquetaque de um relógio, onde cada ciclo, ou período, da onda sinusoidal corresponde à órbita de dois anos dos buracos negros (embora o ciclo observado seja na realidade de cinco anos devido à luz ser esticada pela expansão do Universo).

Este tiquetaque foi visto pela primeira vez em 1976 e continuou durante oito anos antes de desparecer durante 20 anos, provavelmente devido a mudanças na alimentação do buraco negro. O tiquetaque está agora de volta há 17 anos.

“O relógio manteve o tiquetaque”, afirma. “A estabilidade do período ao longo deste intervalo de 20 anos sugere fortemente que este blazar abriga não um buraco negro supermassivo, mas dois buracos negros supermassivos que se orbitam um ao outro.”

A física subjacente às variações sinusoidais foi, ao início, um mistério, mas Blanford desenvolveu um modelo simples e elegante para explicar a forma sinusoidal das variações.

“Sabíamos que esta bela onda sinusoidal tinha de nos estar a dizer algo importante sobre o sistema”, diz Readhead. “O modelo de Roger mostra-nos que é simplesmente o movimento orbital que faz isto. Antes de Roger o resolver, ninguém tinha percebido que um binário com um jato relativista teria uma curva de luz que se parecia com isto.”

https://zap.aeiou.pt/buracos-negros-dancam-galaxia-465090


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