No domingo, os portugueses adiantaram os seus relógios e adotaram a hora de verão: à 01.00h, os relógios passaram a marcar 02.00h. E uma neurologista explica porque não é saudável.
Cerca de um terço das pessoas dizem não estar ansiosas pela mudança da hora — que ocorre duas vezes por ano em Portugal, no último domingo de março e no último domingo de outubro.
Na madrugada de 27 de março, os relógios foram adiantados 60 minutos, de acordo com as indicações do Observatório Astronómico de Lisboa.
Em Portugal continental e na Região Autónoma da Madeira, o adiantamento aconteceu à 01.00 hora, passando para as 02.00 horas.
Segundo o The Conversation, uma esmagadora maioria de 63% contra 16% gostaria de as eliminar completamente, enquanto 21% não tem opinião. Na maior parte dos casos, as pessoas queixam-se da perturbação das suas rotinas diárias.
Mas os efeitos vão para além de simples inconvenientes. Estudos recentes de diferentes equipas de investigadores têm concluído que o “salto em frente” em março, todos os anos, tem diversos impactos negativos na saúde.
Beth Ann Malow, professora de neurologia e pediatria no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, no Tennessee, explica por que motivo a mudança de hora em março “é pouco saudável”.
Num estudo de 2020, publicado na revista JAMA Neurology, Malow e os co-autores reviram as provas que ligam a transição anual para a hora de verão ao aumento de AVC, ataques cardíacos e privação do sono dos adolescentes.
A equipa de investigação acredita que a ciência que estabelece estas ligações é forte e que as provas fazem um bom argumento a favor da adoção de um tempo padrão permanente, a nível nacional.
Passar da hora de verão para a hora normal todos os meses em novembro (nos EUA), e fazer os relógios recuar uma hora é relativamente benigno, diz Mallow.
Embora algumas pessoas possam sentir-se desequilibradas e precisar de algumas semanas para recuperar, a investigação não relacionou esta mudança em novembro com impactos graves na saúde.
No entanto, a alteração da hora na primavera é mais difícil para o corpo. Isto acontece porque o nosso relógio é adiantado uma hora.
Por outras palavras, parece que são 7 da manhã, embora os nossos relógios digam que são 8 da manhã, explica a neurologista.
Esta mudança é mais visível, porque a luz da manhã é valiosa para ajudar a definir os ritmos naturais do corpo — acorda-nos e melhora o nosso estado de alerta.
Embora as razões exatas ainda não esteja definidas, pode dever-se aos efeitos da luz sobre os níveis crescentes de cortisol, uma hormona responde ao stress, ou o efeito da luz na amígdala cerebelar, uma parte do cérebro envolvida nas emoções.
Em contraste, a exposição à luz até mais tarde, à noite, atrasa a libertação de melatonina pelo cérebro, a hormona que promove a sonolência.
Ou seja, pode interferir com o sono e não nos deixar dormir tanto. O efeito pode durar mesmo depois de a maioria das pessoas se ajustar à perda de uma hora de sono no início da hora de verão.
Como a puberdade também provoca a libertação de melatonina durante a noite, os adolescentes têm um atraso no sinal natural que os ajuda a adormecer.
São particularmente suscetíveis a problemas de sono, devido à luz prolongada no início da noite. Esta mudança na melatonina durante a puberdade dura até aos 20 anos, normalmente.
Os adolescentes também podem ser cronicamente privados do sono devido a horários escolares, desportivos e atividades sociais.
Por exemplo, muitas crianças começam a escola por volta das 8 da manhã ou antes. Assim, durante o horário de verão, muitos jovens levantam-se e viajam para a escola em plena escuridão.
A alteração da hora na primavera é mais difícil para o corpo
A geografia também pode fazer a diferença na forma como o horário de verão afeta cada um de nós.
Um estudo mostrou que as pessoas que vivem no extremo ocidental de um fuso horário, que recebem luz mais tarde de manhã e luz mais tarde à noite, dormem menos do que as suas homólogas, no extremo oriental de um fuso horário.
Este estudo, publicado na Science Direct em 2019, revelou que os residentes da orla ocidental tinham taxas mais elevadas de obesidade, diabetes, doenças cardíacas e cancro da mama, bem como rendimentos per capita mais baixos e custos mais elevados de cuidados de saúde.
Outros estudos descobriram que as taxas de outros cancros são mais elevadas na orla ocidental de um fuso horário.
Os cientistas acreditam que estes problemas de saúde podem resultar de uma combinação de privação crónica do sono e desalinhamento circadiano — uma dessincronização entre os nossos ritmos biológicos e o mundo exterior.
Por outras palavras, o “timing” das rotinas diárias de trabalho, escola ou sono é baseado no relógio, e não no nascer e pôr do sol.
Fim da Mudança de hora à vista
O presidente da Comissão Europeia defendeu em 2018 a supressão da mudança da hora, responsabilizando cada Estado-membro por escolher o horário de inverno ou de verão no seu discurso sobre o “Estado da União”.
A 31 de agosto de 2018, a Comissão Europeia revelou que a maioria “muito clara” de 84% dos cidadãos europeus se pronunciaram a favor do fim da mudança de hora.
Naquela que foi, de forma destacada, uma das consultas públicas mais participadas de sempre, com mais de 4,6 milhões de contributos oriundos de todos os Estados-membros, a maior parte das respostas veio da Alemanha, onde o assunto foi particularmente mediatizado na altura.
Se a proposta da Comissão Europeia fosse aprovada, cada país decidia qual a hora que quer adotar, não sendo possível mudar o regime de acordo com a sazonalidade.
Em outubro do mesmo ano, em entrevista à TVI, António Costa defendeu que Portugal devia continuar a ter a hora de verão, salientando o que, até agora, foi expresso pela “entidade competente”, o Observatório Astronómico de Lisboa.
“O que foi expresso até ao momento é o entendimento de que em Portugal devemos manter este regime bi-horário, com hora de verão e hora de inverno. Não vejo razão para que se contrarie a ciência e se faça algo de forma discricionária”, afirmou.
O primeiro-ministro salientou ainda não ser “nem contra, nem a favor” do fim da mudança da hora, mas considerou que “há matérias sobre as quais não vale a pena ter doutrinas políticas”.
“Vale a pena seguir o que é a informação da ciência. Se a ciência entende que o regime horário mais adequado é este, quem sou eu para dizer o contrário?”, concluiu António Costa.
“Está na decisão de cada país escolher a hora legal regular que o País tem. Mas a escolha do país de ter ou não hora de verão não está na sua própria determinação”, realçou ainda Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL).
O Parlamento Europeu voltou a pronunciar-se em março de 2019, em Estrasburgo, a favor da proposta de fim da mudança de hora bianual, mas apenas em 2021, contrariamente ao que propunha inicialmente a Comissão Europeia.
O texto aprovado no hemiciclo, elaborado pela comissão de Transportes do Parlamento Europeu, defendia que as datas indicadas na proposta da Comissão Europeia para a abolição do acerto sazonal dos relógios eram prematuras.
Isto porque os Estados-membros devem “dispor de tempo e da possibilidade de realizarem as suas próprias consultas públicas e avaliações de impacto, a fim de compreender melhor as implicações da abolição das mudanças de hora sazonais em todas as regiões”.
O relatório propunha que a última mudança obrigatória para a hora de verão ocorresse no último domingo de março de 2021.
Os Estados-membros que optem pela hora de inverno acertariam ainda uma vez os relógios no último domingo de outubro de 2021. Após essa data, as mudanças de hora sazonais deixariam de ser possíveis.
A votação não foi o ponto final no processo legislativo, uma vez que a discussão ficou bloqueada na divergência no Conselho da União Europeia.
O atual regime de mudança da hora é regulado por uma diretiva (lei comunitária) de 2000, que prevê que todos os anos os relógios sejam, respetivamente, adiantados e atrasados uma hora no último domingo de março e no último domingo de outubro, marcando o início e o fim da hora de verão.
https://zap.aeiou.pt/hora-muda-este-domingo-neurologista-explica-porque-nao-e-saudavel-467487
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