Cientistas publicaram a primeira sequência completa do genoma humano depois de terem decifrado os 8% que faltavam. O genoma completo tem mais de três mil milhões de letras, o que daria 2971 quilómetros de letras impressas. Esta descoberta é como pôr “um novo par de óculos” que abre a porta a avanços significativos.
“Terminar a sequência do genoma humano foi como colocar um novo par de óculos“, explica o bio-informático Adam Phillippy do Instituto Nacional dos EUA de Pesquisa do Genoma Humano em declarações à Science Alert. “Agora que podemos ver tudo claramente, estamos um passo mais perto de perceber o que é que tudo significa“, acrescenta o investigador.
A nova pesquisa publicada na revista científica Science foi desenvolvida pelo consórcio internacional Telómero a Telómero (T2T), juntando 99 investigadores.
Assim, foi possível fazer a primeira sequência completa e sem lacunas dos cerca de 92% do genoma humano que faltavam, duas décadas depois de o Projecto Genoma Humano ter elaborado o primeiro rascunho desta sequenciação.
Máquinas de sequenciação mais sofisticadas e novos métodos de análise computacional, bem como uma extensa colaboração entre vários investigadores, permitiram decifrar as partes do genoma humano que tinham sido descartadas como lixo e sequenciar na totalidade, sem falhas, o material genético de células humanas, de uma ponta à outra dos cromossomas, de um telómero a outro – daí a designação do consórcio.
As lacunas preenchidas pela nova sequência incluem todos os braços curtos de cinco cromossomas e algumas das regiões mais complexas, como as que têm cópias extra de genes e ADN repetitivo dentro e em redor dos telómeros (extremidades dos cromossomas que os protegem) e dos centrómeros (estruturas centrais que separam os braços curto e longo dos cromossomas e estão envolvidas na divisão celular).
O trabalho do consórcio T2T pôs também a descoberto longos trechos de ADN que são duplicados no genoma e são conhecidos por desempenhar papéis importantes na evolução humana e na doença.
O genoma completo agora decifrado tem mais de três mil milhões de letras de ADN. “Se fosse impresso numa fonte de letra de 12 pontos, o seu código genético estenderia-se de Houston a Boston”, como refere o site científico Interesting Engineering (IE). Estamos a falar de uma distância de cerca de 2971 quilómetros.
“Entramos no início de uma nova fronteira”
A nova pesquisa acrescenta cerca de “200 milhões de pares de base de informação genética – o valor de um cromossomo completo – ao genoma humano”, esclarece a Science Alert.
Os investigadores conseguiram decifrar as partes difíceis de ler do ADN que escapavam aos cientistas há décadas e ainda conseguiram “corrigir milhares de erros estruturais” nas sequenciações anteriores, frisa a Science Alert.
O bio-informático David Haussler da Universidade da Califórnia (UC), que esteve envolvido na pesquisa, explica à Science Alert que o conhecimento de 90% do genoma humano já dava “um enorme entendimento da biologia humana e das doenças”. “Mas havia muitos aspectos importantes que estavam escondidos“, pois não havia “a tecnologia para ler essas porções do genoma”, nota.
Essas partes do genoma que só agora foram sequenciadas “são importantes para o nosso conhecimento de como o genoma funciona, as doenças genéticas e a diversidade e evolução humanas”, relata à Science Alert a geneticista Karen Miga da UC que liderou a equipa de investigação.
“Ao abrir estas novas partes do genoma, achamos que haverá variação genética contribuindo para muitas características diferentes e riscos de doenças”, acrescenta o biólogo evolutivo Rajiv McCoy da Universidade Johns Hopkins. Mas “ainda não sabemos o que não sabemos”, nota este investigador.
Portanto, há ainda muito por descobrir. “Esta sequenciação significa que entramos no início de uma nova fronteira“, constata o neuro-geneticista Erich Jarvis, co-autor do artigo científico, em declarações ao IE. “Com os genomas completos, posso começar a fazer novas perguntas de biologia que não eram possíveis antes”, acrescenta.
“Abre novas portas no estudo de doenças”
Para os cientistas que assinam o trabalho, ter a sequência completa dos cerca de três mil milhões de letras do ADN (moléculas de ácido desoxirribonucleico que contêm as instruções genéticas que transmitem as características herdadas dos pais), é fundamental para compreender as contribuições genéticas para certas doenças ou como o ADN nas pessoas difere.
“No futuro, quando alguém tiver o seu genoma sequenciado, poderemos identificar todas as variantes no seu ADN e usar essas informações para orientar melhor a sua saúde“, afirma em comunicado o investigador Adam Phillippy, que trabalha no Instituto Nacional de Investigação do Genoma Humano, nos EUA, e que codirige o consórcio T2T.
O consórcio usou a sequência agora completa para descobrir mais de dois milhões de variantes adicionais no genoma humano, um trabalho que fornecerá informação mais precisa sobre as variantes em 622 genes clinicamente relevantes.
A geneticista Luísa Pereira, do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, constata, em declarações à Lusa, que a sequenciação de regiões “altamente repetitivas” do genoma de uma pessoa, como foi feito pelo consórcio T2T, “revelou novos genes nestas regiões e arranjos importantes que abrem novas portas no estudo de doenças“.
“Há várias doenças humanas associadas a encurtamento anormal de telómeros e a falhas na regulação da acção dos centrómeros que nunca tinham sido devidamente estudadas a nível genético e agora podem sê-lo”, acrescenta, também à Lusa, o investigador Nuno Morais do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa.
Os telómeros “estão envolvidos na regulação do número de divisões celulares”, tendo implicações no envelhecimento e no cancro, enquanto os centrómeros “têm um papel importantíssimo no alinhamento dos cromossomas” durante a divisão celular, refere ainda Luísa Pereira.
Com a decifração completa do genoma será possível identificar “de forma mais exacta a associação entre variantes genéticas e doenças, o que terá implicações aos níveis de diagnóstico e de terapias personalizadas”, acrescenta o investigador do IMM.
A nova sequência “mostra que finalmente” se pode “olhar para o genoma de cada pessoa como um todo, percebendo melhor a relação entre o funcionamento de um organismo e a sua genética”, aponta ainda Nuno Morais.
Descoberta pode ajudar a explicar evolução humana
Segundo os cientistas, os resultados obtidos apontam, ainda, para “padrões mais complexos” de alteração de genes que podem ter ajudado a criar a espécie humana e a explicar a sua rápida evolução.
“À medida que formos acumulando sequências genómicas integrais de diferentes pessoas, compreenderemos melhor a diversidade genética da espécie humana e a sua evolução”, sublinha ainda Nuno Morais.
“Este é só o primeiro genoma completo. Mas os coordenadores já estão a obter vários outros genomas em populações diversas do nosso globo. A possibilidade de novas descobertas é enorme“, aponta ainda Luísa Pereira.
Para a investigadora Maria do Carmo-Fonseca, que preside ao IMM e dirige o laboratório de regulação génica, o trabalho hoje publicado “representa um importante marco na história da sequenciação do genoma humano”.
“Até agora havia páginas do livro que não estavam traduzidas e ao longo do livro havia frases mal traduzidas”, destaca Maria do Carmo Fonseca na Lusa, realçando que, deste modo, não era possível “uma interpretação correcta da história”.
“Conhecer o genoma humano completo e sem erros vai permitir avanços no conhecimento biomédico, nomeadamente aumentar a capacidade de diagnosticar e compreender as causas de doenças genéticas”, conclui a líder do IMM.
Como se estivessem a montar um puzzle…
O genoma humano é composto por pouco mais de três mil milhões de letras de ADN distribuídas por 23 pares de cromossomas (estruturas organizadas de células que contêm genes, responsáveis pela codificação da informação genética).
Em cada um desses pares de cromossomas, um cromossoma provém do pai e o outro da mãe.
Para ler um genoma, os cientistas cortam todo o ADN em peças com centenas a milhares de letras. As máquinas de sequenciação leem as letras de cada peça e os cientistas tentam colocá-las na ordem certa como se estivessem a montar um puzzle.
O principal desafio é que algumas regiões do genoma repetem as mesmas letras várias vezes.
Os investigadores do consórcio T2T sequenciaram cada cromossoma de uma extremidade à outra numa linha celular especial que tinha duas cópias idênticas de cada cromossoma (a maioria das células humanas tem duas cópias ligeiramente diferentes de cada cromossoma).
O T2T está agora a trabalhar para sequenciar um genoma humano com diferentes cromossomas herdados do pai e da mãe e associou-se ao Consórcio de Referência do Pangenoma Humano para ler as sequências de ADN de 350 pessoas com o intuito de obter a descodificação completa do genoma humano o mais diversificada possível.
https://zap.aeiou.pt/genoma-humano-decifrado-completo-470922
“Terminar a sequência do genoma humano foi como colocar um novo par de óculos“, explica o bio-informático Adam Phillippy do Instituto Nacional dos EUA de Pesquisa do Genoma Humano em declarações à Science Alert. “Agora que podemos ver tudo claramente, estamos um passo mais perto de perceber o que é que tudo significa“, acrescenta o investigador.
A nova pesquisa publicada na revista científica Science foi desenvolvida pelo consórcio internacional Telómero a Telómero (T2T), juntando 99 investigadores.
Assim, foi possível fazer a primeira sequência completa e sem lacunas dos cerca de 92% do genoma humano que faltavam, duas décadas depois de o Projecto Genoma Humano ter elaborado o primeiro rascunho desta sequenciação.
Máquinas de sequenciação mais sofisticadas e novos métodos de análise computacional, bem como uma extensa colaboração entre vários investigadores, permitiram decifrar as partes do genoma humano que tinham sido descartadas como lixo e sequenciar na totalidade, sem falhas, o material genético de células humanas, de uma ponta à outra dos cromossomas, de um telómero a outro – daí a designação do consórcio.
As lacunas preenchidas pela nova sequência incluem todos os braços curtos de cinco cromossomas e algumas das regiões mais complexas, como as que têm cópias extra de genes e ADN repetitivo dentro e em redor dos telómeros (extremidades dos cromossomas que os protegem) e dos centrómeros (estruturas centrais que separam os braços curto e longo dos cromossomas e estão envolvidas na divisão celular).
O trabalho do consórcio T2T pôs também a descoberto longos trechos de ADN que são duplicados no genoma e são conhecidos por desempenhar papéis importantes na evolução humana e na doença.
O genoma completo agora decifrado tem mais de três mil milhões de letras de ADN. “Se fosse impresso numa fonte de letra de 12 pontos, o seu código genético estenderia-se de Houston a Boston”, como refere o site científico Interesting Engineering (IE). Estamos a falar de uma distância de cerca de 2971 quilómetros.
“Entramos no início de uma nova fronteira”
A nova pesquisa acrescenta cerca de “200 milhões de pares de base de informação genética – o valor de um cromossomo completo – ao genoma humano”, esclarece a Science Alert.
Os investigadores conseguiram decifrar as partes difíceis de ler do ADN que escapavam aos cientistas há décadas e ainda conseguiram “corrigir milhares de erros estruturais” nas sequenciações anteriores, frisa a Science Alert.
O bio-informático David Haussler da Universidade da Califórnia (UC), que esteve envolvido na pesquisa, explica à Science Alert que o conhecimento de 90% do genoma humano já dava “um enorme entendimento da biologia humana e das doenças”. “Mas havia muitos aspectos importantes que estavam escondidos“, pois não havia “a tecnologia para ler essas porções do genoma”, nota.
Essas partes do genoma que só agora foram sequenciadas “são importantes para o nosso conhecimento de como o genoma funciona, as doenças genéticas e a diversidade e evolução humanas”, relata à Science Alert a geneticista Karen Miga da UC que liderou a equipa de investigação.
“Ao abrir estas novas partes do genoma, achamos que haverá variação genética contribuindo para muitas características diferentes e riscos de doenças”, acrescenta o biólogo evolutivo Rajiv McCoy da Universidade Johns Hopkins. Mas “ainda não sabemos o que não sabemos”, nota este investigador.
Portanto, há ainda muito por descobrir. “Esta sequenciação significa que entramos no início de uma nova fronteira“, constata o neuro-geneticista Erich Jarvis, co-autor do artigo científico, em declarações ao IE. “Com os genomas completos, posso começar a fazer novas perguntas de biologia que não eram possíveis antes”, acrescenta.
“Abre novas portas no estudo de doenças”
Para os cientistas que assinam o trabalho, ter a sequência completa dos cerca de três mil milhões de letras do ADN (moléculas de ácido desoxirribonucleico que contêm as instruções genéticas que transmitem as características herdadas dos pais), é fundamental para compreender as contribuições genéticas para certas doenças ou como o ADN nas pessoas difere.
“No futuro, quando alguém tiver o seu genoma sequenciado, poderemos identificar todas as variantes no seu ADN e usar essas informações para orientar melhor a sua saúde“, afirma em comunicado o investigador Adam Phillippy, que trabalha no Instituto Nacional de Investigação do Genoma Humano, nos EUA, e que codirige o consórcio T2T.
O consórcio usou a sequência agora completa para descobrir mais de dois milhões de variantes adicionais no genoma humano, um trabalho que fornecerá informação mais precisa sobre as variantes em 622 genes clinicamente relevantes.
A geneticista Luísa Pereira, do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, constata, em declarações à Lusa, que a sequenciação de regiões “altamente repetitivas” do genoma de uma pessoa, como foi feito pelo consórcio T2T, “revelou novos genes nestas regiões e arranjos importantes que abrem novas portas no estudo de doenças“.
“Há várias doenças humanas associadas a encurtamento anormal de telómeros e a falhas na regulação da acção dos centrómeros que nunca tinham sido devidamente estudadas a nível genético e agora podem sê-lo”, acrescenta, também à Lusa, o investigador Nuno Morais do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa.
Os telómeros “estão envolvidos na regulação do número de divisões celulares”, tendo implicações no envelhecimento e no cancro, enquanto os centrómeros “têm um papel importantíssimo no alinhamento dos cromossomas” durante a divisão celular, refere ainda Luísa Pereira.
Com a decifração completa do genoma será possível identificar “de forma mais exacta a associação entre variantes genéticas e doenças, o que terá implicações aos níveis de diagnóstico e de terapias personalizadas”, acrescenta o investigador do IMM.
A nova sequência “mostra que finalmente” se pode “olhar para o genoma de cada pessoa como um todo, percebendo melhor a relação entre o funcionamento de um organismo e a sua genética”, aponta ainda Nuno Morais.
Descoberta pode ajudar a explicar evolução humana
Segundo os cientistas, os resultados obtidos apontam, ainda, para “padrões mais complexos” de alteração de genes que podem ter ajudado a criar a espécie humana e a explicar a sua rápida evolução.
“À medida que formos acumulando sequências genómicas integrais de diferentes pessoas, compreenderemos melhor a diversidade genética da espécie humana e a sua evolução”, sublinha ainda Nuno Morais.
“Este é só o primeiro genoma completo. Mas os coordenadores já estão a obter vários outros genomas em populações diversas do nosso globo. A possibilidade de novas descobertas é enorme“, aponta ainda Luísa Pereira.
Para a investigadora Maria do Carmo-Fonseca, que preside ao IMM e dirige o laboratório de regulação génica, o trabalho hoje publicado “representa um importante marco na história da sequenciação do genoma humano”.
“Até agora havia páginas do livro que não estavam traduzidas e ao longo do livro havia frases mal traduzidas”, destaca Maria do Carmo Fonseca na Lusa, realçando que, deste modo, não era possível “uma interpretação correcta da história”.
“Conhecer o genoma humano completo e sem erros vai permitir avanços no conhecimento biomédico, nomeadamente aumentar a capacidade de diagnosticar e compreender as causas de doenças genéticas”, conclui a líder do IMM.
Como se estivessem a montar um puzzle…
O genoma humano é composto por pouco mais de três mil milhões de letras de ADN distribuídas por 23 pares de cromossomas (estruturas organizadas de células que contêm genes, responsáveis pela codificação da informação genética).
Em cada um desses pares de cromossomas, um cromossoma provém do pai e o outro da mãe.
Para ler um genoma, os cientistas cortam todo o ADN em peças com centenas a milhares de letras. As máquinas de sequenciação leem as letras de cada peça e os cientistas tentam colocá-las na ordem certa como se estivessem a montar um puzzle.
O principal desafio é que algumas regiões do genoma repetem as mesmas letras várias vezes.
Os investigadores do consórcio T2T sequenciaram cada cromossoma de uma extremidade à outra numa linha celular especial que tinha duas cópias idênticas de cada cromossoma (a maioria das células humanas tem duas cópias ligeiramente diferentes de cada cromossoma).
O T2T está agora a trabalhar para sequenciar um genoma humano com diferentes cromossomas herdados do pai e da mãe e associou-se ao Consórcio de Referência do Pangenoma Humano para ler as sequências de ADN de 350 pessoas com o intuito de obter a descodificação completa do genoma humano o mais diversificada possível.
https://zap.aeiou.pt/genoma-humano-decifrado-completo-470922
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