terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Perdidos entre a sanidade a busca pela realização espiritual, muitos turistas enfrentam a “síndrome da Índia” !


A busca pela espiritualidade e o confronto com traumas passados aliados ao consumo de cannabis levam a que muitos turistas fiquem desorientados e tenham crises de saúde mental quando visitam a Índia.

Foi em 1985 que Régis Airault aterrou na Índia para trabalhar como o psicólogo residente no consulado francês em Mumbai. No seu contacto com os turistas que estavam a visitar o país, o psiquiatra francês começou a notar um fenómeno estranho.

Se todos os visitantes pareciam entusiasmados à chegada, quanto mais tempo passavam na Índia, mais óbvias se tornavam as mudanças comportamentais e psicológicas que os turistas sofriam durante a estadia, que ficaram conhecidas como “síndrome da Índia“.

O fenómeno ficou ainda mais claro para o médico quando notou o contraste entre os visitantes quando chegavam e quando partiam da Índia. “Via-os perfeitos quando chegavam e depois de um mês, estavam completamente instáveis“, recorda, citado pelo The Guardian.

Esta situação não se limita à Índia. Em Jerusálem, por exemplo, muitos turistas religiosos têm crises psicóticas durante a visita e dizem ter ouvido Deus ou visto santos, e os visitantes a Florença também sofrem alucinações quando presenciam a beleza das obras de arte na cidade.

A hipótese inicial de Airault devia esta mudança ao uso de drogas, mas muitos dos turistas e estavam também desorientados e pareciam deprimidos e isolados. Um dos exemplos mais marcantes foi de um visitante que vagueou pela Índia durante cinco anos sem avisar a família, que já assumiu que o turista tinha morrido.

Alguns foram diagnosticados com psicose aguda ou delírios e até houve raros casos em que os turistas nunca mais voltavam ao “normal” e ficaram permanentemente desligados da realidade, que o psiquiatra considera “os viajantes que se perderam para sempre“.

Durante a década seguinte, o psiquiatra escreveu o livro “Loucos pela Índia” sobre o fenómeno, que lançou em 2000, e procura responder a uma questão: será que a Índia causa estas transformações ou as pessoas já vão lá determinadas a mudar?

“A Índia tem uma forma de estimular a imaginação que pode a qualquer momento mergulhar o visitante na ansiedade. Por esta razão, a nossa experiência na Índia pode ser ambivalente”, escreveu, apontando a decisão impulsiva de viajar ou traumas passados como causas da síndrome, já que a “Índia fala com o inconsciente” e traz ao de cima “as camadas mais profundas” da nossa mente.

Muitos dos sintomas associados com a síndrome da Índia baseiam-se nas expectativas exageradas dos turistas quando visitam o país. Se a síndrome de Paris relata a desilusão de quem espera ser deslumbrado pelo romantismo da cidade do amor, os turistas na Índia antecipam uma revolução espiritual que muitas vezes nunca chega e esta busca incessante pode começar a afectar a saúde mental.

A síndrome não é reconhecido como um diagnóstico psicológico, mas os sintomas são tão comuns que as seguradoras que vendem pacotes de viagens para a Índia até já incluem cláusulas que anulam a cobertura se o turista tiver um histórico de doenças mentais ou se for consumidor de drogas.
“Ele largou tudo, a mochila, o passaporte e fugiu“

Muitas embaixadas e consulados até já incluem psiquiatras permanentes, tal como Airault, para darem apoio aos seus nacionais que visitam a Índia. O uso de drogas também pode acelerar esta mudança comportamental, especialmente quando se tem em conta o historial de séculos de consumo de cannabis no país.

Um caso notável para Sunil Mittal, um psiquiatra que dá apoio a vários consulados e embaixadas e que dá consultas a um turista estrangeiro por semana em Nova Deli, foi de um norte-americano que estava a vaguear nas imediações do Taj Mahal. Um dono de um restaurante acabou por chamar a polícia, que contactou a embaixada dos Estados Unidos e levou o paciente à clínica de Mittal.

Apesar de já ter experimentado cannabis sem problemas nos EUA, quando a fumou na Índia, sentiu efeitos negativos e começou a ficar desorientado e sem conseguir responder a perguntas básicas. “Ele largou tudo, a mochila, o passaporte e fugiu”, revela o médico. Um mês depois de chegar a casa, o turista voltou ao normal.

Outro caso que marcou o psiquiatra foi de uma mulher na casa dos 20 anos também oriunda dos Estados Unidos, que cortou o contacto com a família. Depois de meses à sua procura, foi encontrada a trabalhar numa comunidade ashram onde fazia danças eróticas todas as noites.

Questionada pelos psicólogos, a turista disse que era uma apsara – um espírito mitológico que seduz os praticantes de yoga e os padres para testar os seus votos de celibato – e garantiu que estava tudo bem consigo.

A maioria dos casos de síndrome da Índia resolve-se com o regresso a casa, mas há exemplos em que os efeitos acompanham os turistas para o resto da vida.

https://zap.aeiou.pt/busca-espiritual-turistas-sindrome-india-456967

 

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