O sucesso da Coreia do Sul a combater a pandemia de covid-19
não assentou apenas no recurso à tecnologia de ponta — também envolveu o
tradicional toque humano.
De acordo com um recente relatório da Câmara dos Comuns sobre a
resposta à pandemia no Reino Unido, uma das principais falhas do governo
foi presumir que o sucesso de países como a Coreia do Sul no controlo
do vírus não poderia ser replicado na Grã-Bretanha.
Essa decisão de ignorar as abordagens que estavam a mostrar-se
bem-sucedidas em outros lugares foi um dos maiores descuidos do Reino
Unido no início da pandemia.
No entanto, o próprio relatório cai numa armadilha semelhante.
O documento considera a resposta à pandemia da Coreia do Sul como
excecional devido ao uso avançado de tecnologia digital, ignorando o
facto de que o país também dependeu muito de intervenções sociais
antiquadas — rastreamento de contactos, quarentena e isolamento de casos
— auxiliado por homens no terreno.
Para combater a covid-19 e as futuras pandemias, os governos precisam
de dar atenção às lições dessas intervenções sociais e não apenas às
tecnológicas. A Coreia do Sul ensina-nos que as soluções de alta tecnologia podem ajudar a proteger contra doenças, mas funcionam em conjunto com intervenções sociais.
O governo do Reino Unido tinha a ambição de criar um sistema de testar-rastrear-isolar
“revolucionário”. No entanto, o relatório da Câmara dos Comuns conclui
que o sistema de Inglaterra produziu pouco efeito, apesar dos grandes
gastos.
Outros países também não foram capazes de conter a covid-19
suficientemente sem recorrer a confinamentos draconianos. No entanto, a
Coreia do Sul tem sido regularmente citada como uma exceção.
Embora a Coreia do Sul tenha tido que introduzir algumas medidas de
controlo para limitar a propagação do vírus — houve confinamentos para
empresas e limites aos ajuntamentos em 2021 —, o país evitou confinamentos totais e fechos de fronteiras,
mantendo relativamente baixos os casos de covid-19. Vale lembrar que a
Coreia do Sul é um dos grandes países mais densamente povoados do mundo.
A chave para isto tem sido as medidas de quarentena para os viajantes
que chegam ao país, que foram introduzidas muito rapidamente, e o
sistema altamente eficaz de testar-rastrear-isolar do país. Este
processo cuidadosamente projetado fornece suporte local para aqueles que estão isolados, ao mesmo tempo que os monitoriza e sanciona o não cumprimento.
Sim, dados de telemóveis e outras formas de vigilância
têm sido usados para rastrear pessoas que podem ter o vírus. Mas, uma
vez que um caso positivo é confirmado, é a intervenção humana que
garante que essas pessoas não espalhem ainda mais o vírus.
É designado um responsável para trabalhar com as famílias afetadas.
Eles comunicam com pessoas infetadas durante o período de isolamento.
Depois de fazer contacto inicialmente por telemóvel para informar as
pessoas sobre a necessidade de isolamento e as diretrizes a serem
seguidas, os responsáveis pelo caso entregam um kit para ficar em casa o
mais discretamente possível para proteger a privacidade da pessoa.
Este kit contém bens essenciais que evitam que a
pessoa precise de sair. As famílias recebem comida, bebida, sacos de
lixo, um termómetro, máscaras e álcool-gel para ajudar a prevenir novas
infeções. Os kits também podem ser adaptados, por exemplo, para incluir
certos alimentos ou medicamentos — e até mesmo alimentos para animais de
estimação.
O responsável é o principal ponto de contacto da pessoa infetada,
fornecendo aconselhamento e apoio durante os 14 dias de isolamento.
Novamente, a tecnologia desempenha um papel. Uma aplicação de smartphone
pode ser usada para monitorizar os sintomas relatados pela pessoa e
para se certificar (via GPS) de que a pessoa não está a quebrar a
quarentena.
Mas a sua influência não deve ser exagerada. A aplicação é obrigatória, mas quem não tem smartphone ainda pode obter suporte através de chamadas e mensagens.
Pessoas que se auto-isolam podem entrar em contacto com o seu
responsável pelo caso quando ajuda extra for necessária, por exemplo,
com negócios diários urgentes, como serviços bancários ou cuidados com
animais de estimação.
Como o relacionamento funciona nos dois sentidos, isto incentiva a
conformidade através da criação de um vínculo social. O apoio abrangente
e individualizado dado àqueles que fazem o isolamento garante
principalmente a conformidade, removendo barreiras, em vez de punir as
infrações.
A necessidade de lidar com a perda de rendimento que as pessoas que se isolam enfrentam também foi identificada no início, com pagamentos modestos de até 374 dólares facilmente disponíveis.
A eficácia destas intervenções é clara: os dados publicados sugerem
que o não cumprimento das regras de isolamento foi extremamente baixo na
Coreia do Sul durante a pandemia. Aqueles que infringem as regras
correm o risco de perder o apoio financeiro que o governo oferece.
Não quebrar as regras também tem sido incentivado
como norma social através de reportagens diárias nos media sobre o
número de pessoas que não aderem ao isolamento. Geralmente, isso não é
mais do que quatro pessoas por dia — num país de 55 milhões.
https://zap.aeiou.pt/segredo-coreia-tecnologia-toque-humano-439816